Homenagem Viva
O fazer poético
Ricardo Cerreia
Majé - RJ
Diversas são as faces nobre poeta
que o teu verso acabado suporta.
A dor dissimulada, discreta,
ou essa saudade que do sonho aporta.
Um dia em lágrima transborda a rima,
noutro é a primavera quem conforta
e nada mais há que se faça acima
que a brandura que o teu ofício transporta.
De amor ou ilusão a alma satisfeita,
surge, infante, o teu fruto mais doce...
Decassílabo ou livre o que importa?
Se a linha pronta teu brilho enfeita
e não bastasse se mais não fosse,
somente a paz batendo em tua porta.
Bem te vi
[Rondel]
Ricardo Cerreia
Majé - RJ
Bem te vi, bem te vi, bem te vi!
Canta a bela manhã que desperta.
O céu boceja azul, me sorri,
o sol pousa na janela aberta.
Outra madrugada e não dormi.
A solidão foi a melhor coberta.
Bem te vi, bem te vi, bem te vi!
Teu retrato imóvel, bem ali
repousa na gaveta entreaberta.
Disfarcei... Quase não percebi
e engoli uma lágrima certa.
Bem te vi, bem te vi, bem te vi!
O Navegante
Ricardo Cerreia
Majé - RJ
As mãos deslizam por todo corpo.
A pele, arrepiada, responde.
O desejo desgoverna.
Como um barco procura um porto,
procuro a ilha que escondes.
Navego ventre, navego pernas.
Enfim, a terra prometida.
Nau ancorada, sem hora de partida.
Encanto
Ricardo Cerreia
Majé - RJ
Pela noite silenciosa
canta o passarinho todo prosa
sob a lua que desperta
e de amores se encanta.
O canto é meigo e flutua
e carregado que vai pelo vento,
adormece sereno
lá nos braços da lua.
Brilha o passarinho,
sorri, envaidecida, a lua.
Trina o passarinho,
apaixona-se a lua.
E os dois assim,
numa intimidade crua,
namoram de alma limpa e nua,
como se o mundo inteiro fosse
aquele pedaço iluminado de rua.
O poeta
Ricardo Cerreia
Majé - RJ
Nada mais há que me agrade
nesta vida tola e sem fantasia.
Cansei do amor, da falsidade,
da ingratidão que me asfixia.
Cansei da solidão, da saudade
por toda parte... Louca epidemia!
Nada mais há que me agrade
nesta vida tola e sem alegria...
E se hei de partir um dia
que seja sem dor e sem alarde
num instante qualquer
que me guarde e aguarde
de braços abertos a fiel poesia.
Trégua
Ricardo Cerreia
Majé - RJ
Eu ando
descrente
de tudo...
O peito
acuado,
espada
e escudo
de um
coração
machucado,
entrincheirado,
e mudo.
Ingratidão
Ricardo Cerreia
Majé - RJ
Nunca notaste
os meus versos...
Tão totalmente teus,
tão entregues
e tão cheios
de carinhos...
Esse teu tolo coração!
Indiferente e perverso,
que de mim
vive recebendo flores,
e que só me devolve
lágrimas e espinhos.
Flores
Ricardo Cerreia
Majé - RJ
Velha flor de vermelhos arrebóis
repousa sobre um vazio sonhador,
mancha de rosa teu poema de amor.
Vês? Silencia a flor na saudade de nós.
O vento rouba-lhe o perfume, a voz,
pinga o sal da lágrima, furta-cor,
empalidecida, rendeu-se em dor.
Cansada flor do desamor em nós.
Porque choras? Deixa exposta a ferida!
É só uma flor em vil despedida!
Vês? Sangra a flor dos espinhos de nós!
Guarda teu pranto às rosas doutra vida!
Esquece a flor morta, descolorida
por um amor, sem flor, que morreu em nós!
A Primavera
Ricardo Cerreia
Majé - RJ
Vem vindo a estação
dos reais esplendores,
das rosas na mão
no peito os louvores,
dos arco-íris no chão
pelo céu beija-flores.
Vem vindo a estação
com seu bando de cores,
de borboleta e botão
de incontáveis odores,
de azuis e azulão
azulando os primores.
Vem vindo a estação
dos poetas cantores
acendendo a paixão
no coração dos amores
num jardim de ilusão
só de versos e de flores.
Homenagem Viva
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