Homenagem Viva
Soneto
[ Homenagem para: Yoji Fujyama ]
Alcides Celso Oliveira Villaça
[ Alcides Villaça ]
Campinas - SP
Do quarto vizinho vem o som
do "Après-midi d'un fane". Sozinho
para os meus estudos e ouço, triste,
a voz de Debussy que me fala
de coisas eternas deste mundo
tão inseguro. Pergunto: "amigo,
tiveste certeza ou antevisão
desta hora solene em que nos
encontraríamos frente a frente
na solidão?" O seu rosto calmo
e claro como as tardes de inverno
por instantes me fita, em silêncio.
Vejo então em seu olhar a flauta
que voa e em puro voo se eterniza.
Viagem antiga
Alcides Celso Oliveira Villaça
[ Alcides Villaça ]
Campinas - SP
Havia vezes eu me via
como um menino não se vê.
A água na nuvem se adivinha,
a sede vem antes de sua vez.
Havia vezes eu me renascia
sem nunca ter saído de mim:
emprestava-me espelhos e outras vias
de ver tocar sentir o fundo de si.
Era um segundo inteiro ou todo um dia
quando lançava o olhar além de mim
e me via em tudo o que não via?
Que trem cortava o tempo desse abril?
Em que viagem eu era o meu caminho?
Às vezes os meninos pousam olhos
no fim das paralelas, e descansam
o corpo de seus pesos e medidas.
Se nesta noite fixo a luz da esquina
e torno lento o sangue em seu caminho,
nem sombra apanho da viagem antiga
que, quando eu não queria, me fazia.
Rumo oeste
Alcides Celso Oliveira Villaça
[ Alcides Villaça ]
Campinas - SP
O rádio no carro canta pelas cidades.
Já sei onde está a melhor garapa
de Araras, o melhor algodão em Leme.
Em Pirassununga o hábito do ângelus
ainda veste de santa qualquer tarde.
O locutor e seu melhor emplastro
para curar no peito aquela velha aflição.
Todas as rádios abrem para o mundo
o coração do largo e um recado de Ester:
esta canção vai para W.J.
que ainda não esqueci.
O céu de todas as rádios
se estende para a capital: o que se dança
em New York direto para São Simão.
Para você, Lucinha, mexer o que Deus lhe deu.
A velha teia das cidades
enleia agora as estrelas.
Ao som da sétima badalada
do coração da Matriz
desligue o rádio! e respire
de passagem tudo o que fica:
são ondas soltas no ar.
sobre viver
Alcides Celso Oliveira Villaça
[ Alcides Villaça ]
Campinas - SP
quando esses pássaros
atravessam o peso da cidade
e batem contra os muros
no viveiro gigante e invisível
as asas e as penas que não caem
são os peixes do mais fundo dos rios
são as folhas do mais alto das árvores
e as nuvens que sem reclamo
suportam a massa azul
Lampejo
Alcides Celso Oliveira Villaça
[ Alcides Villaça ]
Campinas - SP
Ela só queria um abraço.
- Só um abraço, ela me disse.
Assim dizendo me enlaçou
como sucede nos abraços.
E se despediu contente,
e com leveza partiu,
levando o abraço consigo
e me deixando abraçado
naquele abraço partido.
Lembrança
Alcides Celso Oliveira Villaça
[ Alcides Villaça ]
Campinas - SP
Saudade não sei de quem
mas que por certo não houve
em sua exata medida
daquilo que nunca coube
Fato assim tão existido
que existiu além do fato;
cara perdida sem cara
numa ausência de retrato
Beijo a nascer primeiro
que seu dono, envelhecido
nos lábios de algum fantasma,
única forma de vida
mas que por certo não houve
em sua exata medida
daquilo que nunca coube
Fato assim tão existido
que existiu além do fato;
cara perdida sem cara
numa ausência de retrato
Beijo a nascer primeiro
que seu dono, envelhecido
nos lábios de algum fantasma,
única forma de vida
Pai
Alcides Celso Oliveira Villaça
[ Alcides Villaça ]
Campinas - SP
Foi tudo tão depressa, na dobra
de um paletó que repartimos.
Teu passo vertical cavava fundo
no peito, meu pudor.
O ponteiro grava a distância que ficou
entre os braços, flash imprecípite.
Um estreito nas rochas, sem fio a correr
e sem tempo. Caímos, sem tocar-nos:
deuses antiamantes.
E de repente permanecemos.
Somos os mesmos impossíveis
de há tantos séculos. Já fica um adeus
para a hora extrema [enquanto esta vigília
prossegue em noite densa].
Sou nome de teu menino, a última foto
grafia
Babei em tua barba, puramente meninos
os que se acariciavam com armas distintas.
E juntos prosseguíamos num eterno afastar-se;
da quanto mais distância
mais altos nós nos víamos.
Sem tempo, tão pequenos na bússola
que perdemos,
convém não, pai, que dores comuns
nos aproximem.
Fica lá em tua infância
e eu na minha velhice. As auroras
sabem o tempo de pousar.
Te seguirei como sempre
sempre paralelamente
a par de todos teus frêmitos
desenhando todos os golfos
acelerando nas retas
não te perdendo de vista.
E de vez em vem, um morse
tamborilado no peito
para aferir a distância
e o jamais do tempo. Amém.
Quatro pegadas
Alcides Celso Oliveira Villaça
[ Alcides Villaça ]
Campinas - SP
por um amigo não saberia morrer
mas saberia viver
por um amigo
para que sua palavra morta
escalasse ainda o gosto
de minha língua
e por ele degustasse
a sede de nossas
águas
e permitisse pela pupila
certos signos
precisos
e quando prontos ao silêncio
todos dessem
pelo seu
e entre os convivas
deixasse
quatro pegadas
Tempos
Alcides Celso Oliveira Villaça
[Alcides Villaça]
Campinas - SP
O tempo chega em torturas
vizinhas.
Não é o balde na cara
não é o choque
o vergão.
É o seu chicote de vazios máximos
a desconfiança
a descompanhia
medo do front voltando em remorso
sobre ombros brancos tensos de cautela.
É o cismar na rede seu sono de malhas
que marcam as costas com suavidade.
É o virar na rede sem sono e sem soltos
campos de nostalgia antiga.
O tempo chega em torturas
vizinhas.
Sem aviso algum, sem noção de tempo
toma conta de nós nos mini-desconfortos,
na varanda sem sombra, no terraço sem sol,
no mercado sem frutas, na partida sem gols.
O tempo se recolhe à casa
e quer nos consolar dormindo em nossa cama
com promessa e afagos.
Fingimos dormir. De lado,
na solidão do quarto, a insônia
reluz na sombra e a vigília preserva
um tempo em meio ao tempo.
Um comentário:
Celso, mano querido! Espero que tenha gostado dessa página, que, com tanto carinho, o Biel lhe preparou!
Fui cúmplice, cedendo seus livros, mas a escolha foi dele! Amei! Está tudo como gosto: Muita emoção, muito sentimento e imagens lindas! Parabéns, mano, pelas suas criações! Orgulho-me do seu talento!
E a você, Biiii, o meu sincero agradecimento por essa homenagem linda, dedicada ao meu irmão! Tinha a certeza que a página teria muita beleza, pois ambos colocaram nela, muita ternura, muito carinho! Beijos para os dois! Clélia Izabel (Zazá)
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